domingo, 25 de julho de 2010

Não há tempo a perder!

“I don’t have much time to waste
It’s time to make my way.
I’m not afraid the world I’ll face
But I’m afraid to stay.”
(MADONNA, Jump)

Usar qualquer frase de Madonna para iniciar uma fala pode parecer fútil ou qualquer coisa. E pra tratar de política então, nem se fala!
Odeio política. Quem me conhece sabe disso.
Tenho título de eleitor há 9 anos e nunca votei em ninguém. O motivo? Nunca me deparei com candidatos que valessem a prostituição eleitoral que é o ato de votar. Sim, afirmo que votar, assim como casar, é um ato de prostituição legal. Somos comprados e explorados com belas palavras e utopias. No fim, quando vemos que nossas expectativas não são atendidas, nos sentimos usados pelo outro, que conseguiu o poder e suas facilidades às nossas custas.
Sou homossexual. E até quem não me conhece sabe disso.
Já tem alguns anos que me inscrevi no grupo de emails do Arco-Íris – principal articulador do movimento gay do Rio de Janeiro. E repassam todo tipo de assunto, pois não há um mediador. Mas tudo bem. Eu sabia disso quando entrei. E confesso que ultimamente determinados assuntos – sempre a política – têm me irritado bastante. Cheguei a pedir exclusão do meu endereço do grupo. Mas não fui atendida – essa coisa de grupos de discussão é bem sacana, pois nunca te excluem na boa, você tem que aprontar algo bem ofensivo para ser expulso. Ainda não aprontei nada, mas estou prestes. Talvez.
Devo ser sincera e afirmar que o movimento gay é egoísta. Todo movimento de defesa de minorias é egoísta. Tenho regurgitado Wollstonecraft compulsivamente. Ela acreditava, em pleno século XVIII, no feminismo como humanidade para todos. Inclui-se mulheres, escravos, velhos, crianças, homossexuais, negros, estrangeiros, presos, deficientes e outros que foram marginalizados ao longo da história.
Na obra A Política, Aristóteles distingue dois tipos de vida: Bios, a vida do homem, cidadão, sujeito qualificado que participava da democracia com voz articulada e que expunha seu pensamento na ágora; e Zoé, que era a vida das mulheres, dos escravos e dos animais, dos que não tinham espaço de voz. De acordo com Aristóteles, Zoé pertence à Bios.
A própria Revolução Francesa criou em 1789 a Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos, que pretendia realizar apenas o que propunha em seu título: a declaração dos direitos dos homens e dos cidadãos – que excluía, mais uma vez, todos os que sobraram, que restaram, que se esconderam, que se recalcaram, que não foram pensados e que foram impedidos de pensar. Não era uma declaração dos direitos humanos.
Este acontecimento foi o que levou Mary Wollstonecraft a escrever em 1792 um livro chamado Declaração dos Direitos da Mulher, onde ela diz: “o feminismo é uma defesa dos direitos da humanidade, não só dos direitos do homem, mas dos direitos de todas as pessoas de construir de fato uma humanidade universal no qual coubessem todas as pessoas, independente de seus sexos”.
Acontece que o tempo passou. Os que eram marginalizados se tornaram setor, e logo, minorias. Hoje cada um luta por direitos de seu grupo e não por direitos universais, por direitos humanos.
Não quero fazer propaganda de ninguém. Mas pela primeira vez temos uma disputa presidencial muito diferente do que estamos habituados. Entre os principais candidatos, duas mulheres.
Nos emails que recebo do grupo Arco-Íris é evidente a propaganda petista num fuzilamento constante da outra candidata, por ela ser evangélica, contra o casamento de iguais e coisas do tipo. E eu me pergunto, o que o governo petista, com todo o seu discurso e participação no movimento gay fez por este?
O movimento cobra tanto o reconhecimento dos direitos e da união de iguais – o que devo dizer, a candidata evangélica não nega e reconhece nossa existência e que temos direitos – e o que ganhamos nestes oito anos em que apoiamos um governo que diz apoiar o movimento? Não vejo nenhuma mudança, nenhum reconhecimento de direitos que não se desse por meio de brigas judiciais e empresas privadas ou no funcionalismo público de poucos estados da nação. Nenhuma novidade na constituição nacional.
E agora o que queremos? Mais quatro anos de discursos de apoio, presença em Paradas pelo país e nenhum reconhecimento dos homossexuais como cidadãos?
O movimento gay virou palco para a politicagem! Assim como o movimento dos sem-terra, que até hoje espera a reforma agrária.
Já está bem claro que não é o presidente quem vai nos dar esse reconhecimento, mas os parlamentares. É com eles que a gente tem que discutir, pois é muito improvável que um presidente se recuse a assinar uma decisão parlamentar.
E diante disso, entrego aqui sinto-me muito inclinada a votar pela primeira vez na vida.
Eu, Landa, mulher, homossexual, estudante, carioca, artista, atéia, budista, a favor do aborto enquanto libertação e afirmação da autonomia da mulher sobre seu corpo e sua vida, estou inclinada a votar na candidata Marina, mulher, evangélica, acreana, contra ou sem opinião a respeito do aborto e blá. E os motivos são bem claros:

1. Não admito o Serra e nenhum da sua laia no poder;
2. Dilma é a continuação do governo Lula, mais do mesmo, nenhuma novidade ou avanço, pois ao meu ver, o que o PT podia fazer pelo país já foi feito e criou-se uma situação de comodismo;
3. E se é pra não ter reconhecimento dos meus direitos enquanto cidadã homossexual, prefiro que suba ao poder alguém que tenha atitude e coragem pra mudar o resto.

Se ao menos conseguirmos uma presidente que defenda nossas fronteiras, nossas riquezas naturais, que junte a isso como prioridade a qualidade do sistema educacional e do sistema de saúde pública, pra mim está de bom tamanho. Pois essas coisas não prioridades pra mim por englobar todos os brasileiros. E é isso que precisamos pensar na hora de votar. Precisamos nos identificar como brasileiros e não como homossexuais, ou cristãos, ou mulheres ou seja lá o que for. Diante da urna – já que somos obrigados a comparecer ou justificar nossa ausência – devemos ter a identidade de um grupo bem maior, chamado Brasil.
Meus direitos e os de minha parceira, assim como de nossos filhos, podem ser conseguidos através da Justiça. Pode demorar e até ser cansativo, mas ela tem se mostrado nossa principal aliada.
Vejo Marina como uma mulher de princípios. Mesmo que eu não concorde com grande parte deles, consigo olhá-la como alguém que tenta separar os princípios pessoais dos princípios políticos, enquanto representante de indivíduos tão diferentes entre si. E não creio que ela vá promover uma caça à bruxas. Retroceder é impossível. Meu medo é a estagnação.
A necessidade de reflexão é vital, pois implica todos os envolvidos no ideal de uma humanidade justa, de um convívio pautado em ética e paz, numa boa educação, no respeito de uns pelos outros e pelo planeta. Temos que pensar muito no passado, porque ele está aqui, no presente.
Eu tenho 26 anos e quero mudança! Já estou cansada e angustiada. Quero o formigueiro e medidas radicais por melhores qualidades de vida neste país. E se a Marina não for a figura capaz de mudar o jogo, será pra mim a afirmação de que a esperança, ao contrário do que dizem por aí, é a primeira que mata.
Se nada der certo, sabemos bem que podemos destituir as pessoas que estão no poder. Mas até pra isso precisamos abandonar esse comodismo em que estamos mergulhados.
Vamos fazer barulho?
Esse é o nosso mundo e ele é feito pelas nossas escolhas!
E se comecei acreditando que Madonna pode fazer sentido para abrir minhas palavras sobre política, encerro com ela:

“Get up! It’s time!
Your life! Your world! Your choice!
You have to say what’s on your mind
If you wait too long will be too late.
The time is right now
You’ve got to read signs
We have no time to lose!!!”

Adoção de crianças por homossexuais

Nem vou me dar ao trabalho de refletir demais. Apenas rebaterei argumentos contra esse tipo de adoção, que giram em torno de clichês.
O que as pessoas que defendem o argumento de que família precisa de uma figura materna e uma paterna têm a dizer a respeito das famílias que não contam com essas figuras. Pais e mães morrem, vão embora, desaparecem, são vítimas da violência, são agentes da violência... A situação é bem ampla.
E não me venha com essa de ter referenciais femininos e masculinos. Muitos de nós fomos criados sem esses referenciais e isso em nada afetou nosso caráter. E o contrário também acontece.
Além do mais, homossexualidade não é sinônimo de falta de caráter ou debilidade. E orientação sexual é balela! Eu mesma fui criada com as figuras de pai e mãe, sem referências homossexuais, fui orientada à heterossexualidade, e no entanto sou homossexual (e desde antes de me entender por gente).
Uma família precisa de uma figura amorosa, capaz de prover a molecada de necessidades básicas às afetivas.
Não temos um sistema que ofereça condições à população de acesso a boa educação, saúde pública e subsistência, controle de natalidade, salários que sustentem e outras coisas mais.
Isso ajuda a manter a superlotação de orfanatos e o número de crianças abandonadas nas ruas, nas portas, nas lixeiras, nas matas e em outros tantos lugares. O governo não dá conta disso!
Agora eu pergunto: é melhor ter crianças vivendo nestas condições do que vivendo num lar composto por dois homens ou duas mulheres que querem e podem dar-lhes afeto, proteção e as condições básicas para que cresçam saudáveis física e mentalmente?
Se a maioria da população responder sim a essa questão, temerei por seus filhos, pois mais uma vez ficará provado que não sabemos amar, apenas possuir.

Preconceito Mascarado e Ingênuo

“Espero que meu próprio sexo me perdoe se trato as mulheres como criaturas racionais em vez de adular suas graças fascinantes e de considerá-las como se estivessem em um estado de infância perpétua.”
MARY WOLLSTONECRAFT, Vindication of the Rights of Woman, 1792

As notícias que ocupam as páginas dos jornais nas últimas semanas são recheadas por uma temática fragmentada e ainda aprisionada: a mulher. Não sei se só eu notei isso, mas é uma constante nos noticiários a violência contra a mulher. De assassinatos brutais à questão do aborto discutida pelas presidenciáveis – e cito apenas as candidatas porque não vejo relevância na opinião masculina quando o assunto é a mulher, e inclusive sou a favor da completa exclusão da participação deles no que diz direito ao feminino.
Parece-me que a condição feminina não mudou muito de 1792 até hoje, 2010, de acordo com o relato de Wollstonecraft.
Minhas linhas certamente serão extensas, mas espero ao menos ser bem clara em minhas intenções de levar um questionamento social aos poucos que se dão ao trabalho de ler o que raramente publico aqui. Saibam que, quando me dou ao trabalho de escrever e publicar é porque a inquietação é maior que minha paciência e tolerância com a burrice e a vocação pra rebanho dos que estão no mundo.
Pra começar, citarei uma tolice que poderia ser ignorada por mim. Mas meu profundo preconceito com os seguidores mascarados do pensamento kantiano de que a função da mulher é enfeitar, me impede de deixar passar esses pequenos detalhes.
Sou do tipo de pessoa que tenta prestar atenção em tudo, inclusive nos jornais atirados ao chão para a limpeza dos calçados. Sempre procuro ler ao menos os enunciados das notícias que piso. E quando diz respeito à condição feminina a atenção é total. E o editorial do jornal Diário da Manhã, de Pelotas, publicado no dia 20 de julho de 2010 me chamou a atenção.
“Mulheres na política” era o título. Um texto que enaltece a participação das mulheres na disputa pelos grandes cargos políticos do país. Eu poderia achar o discurso até digno de um menear positivo de minha cabeça, mas um pequeno detalhe, logo no primeiro parágrafo, me impediu de dar total credibilidade ao anônimo que escreve o editorial deste jornal:

“Nos últimos anos vem aumentando o número de mulheres concorrendo nas eleições em todos os níveis. No pleito deste ano, elas responderam “presente”, uma vez mais. É natural que a campanha eleitoral esteja mais interessante e mais bonita.”

Não sei se vocês compartilham comigo que, de acordo com o texto e com Kant, a presença feminina pressupõe ainda o enfeitar. Duvido que, na ausência de candidatas, o conceito do belo kantiano fosse invocado na política – salvo os veículos de comunicação dedicados às mentes debilitadas e incapazes de exercitar um senso crítico que não seja estético-industrial. (Seria o caso?)
De acordo com Kant, no texto Da Diferença Entre o Belo e o Sublime na Relação Entre os Sexos, a mulher tem a função de enfeitar e inspirar o sentimento do prazer, do agrado e da concordância dos afetos; enquanto o homem, por sua natureza ‘nobre’, tem a função de inspirar respeito.
Seria este ainda o lugar das mulheres no mundo? Vejo de forma confusa essa exaltação pérfida da ascensão feminina no mundo patriarcal, sempre relacionada ao belo, tratando-nos como bibelô. Parece que ainda não conseguimos arquivar esse passado de fragilidades e fraquezas a que o gênero feminino fora destinado pelo pensamento patriarcal.
O patriarcal é essa grande estrutura histórica marcada por um discurso que tem por base o falo, e que muitos pensadores chamaram de logocentrismo, por ser um discurso baseado num modo e estrutura que é fálica, ‘poderosa, e que se define como dona do mundo. Era assim para Aristóteles, Rousseau, Kant e outros tantos.
Os femininos ainda estão relacionados com o belo, com o enfeite social.
Gosto de pensar nos femininos quando me deparo com isso, e vejo que, de acordo com esta função social da mulher, os travestis são muito mais femininos. Eles fazem um esforço que não vem apenas de seu desejo transcendental, mas desta construção patriarcal que definiu que a mulher se enfeita.
Não vejo nenhum problema numa mulher que não usa esses penduricalhos que a inscreve num universo feminino, que nada mais é do que essa ideia débil elevada à indústria cultural. E no fim, é necessário vestir os penduricalhos se quiser ganhar votos, pois a mulher é sim, julgada também pela estética apresentada.
A mulher precisa se impor sim!
Nós, mulheres precisamos exigir autonomia sobre nossas vidas e nossos corpos, pois ainda somos prisioneiras das instituições patriarcais – Estado e Igreja – que nos calam e nos castram ainda. Precisamos pensar, falar e decidir por nós. A mulher precisa reconhecer sua vida e seu corpo como suas únicas propriedades, e assumir responsabilidade por sua autonomia, das decisões mais simples às mais complexas: amar quem quiser, quando quiser e se quiser; fazer o que quiser ou achar melhor com o seu corpo, e isso inclui o aborto.
Uma de nossas presidenciáveis disse que o aborto é uma questão de saúde pública. Pra mim é mais que isso! É uma questão de liberdade!
Concordo com ela que o aborto não é uma questão confortável para mulher alguma. Mas é necessário fazer as perguntas certas sobre o que torna o aborto uma questão de saúde pública. Estas perguntas abrangem questões educacionais, contexto histórico, condição social, interferência religiosa etc. Contudo, nunca deixarei de afirmar que, só uma mulher numa situação de se questionar sobre abortar ou não deve ser capaz de decidir sobre seu corpo. Situações de desconforto nos provocam ao pensamento.
Hannah Arendt dizia que “quando um evento nos faz pensar é porque ele tira o nosso lugar no mundo”. O condicionamento do feminino às decisões do patriarcal me tira o chão, me angustia.

“É esse tipo de evento que provoca o pensamento para que a gente consiga compreender tudo o que aconteceu, para poder se reconciliar com a realidade e poder se realocar no mundo.”
(ARENDT)

O pensar não está a serviço do pensamento, mas a serviço da vida e da nossa locação nela. A relação entre a compreensão e os eventos que nos fazem agir, são compreensões que nos fazem querer recuperar o lugar perdido. Esta é a angústia humana fundamental.
Tenho a impressão de que é essa concepção que Hannah Arendt tem deste tipo de angústia que a leva a pensar e a fazer Filosofia.
Vemos que em Heidegger e Jaspers a questão da angústia é fundamental para o pensamento, mas eles apenas falam sobre essa angústia. Arendt se angustia de verdade, e é desse angustiar-se que ela é capaz de pensar e produzir alguma reflexão que serve a todos. Não é um parâmetro e nem uma regra. Não é uma lição que ela nos dá e que nos faz decidir, mas ela nos ensina a lição de se tornar disponível a ser convocado por essa angústia que os eventos podem nos provocar, do ponto de vista da vida pessoal e da vida coletiva.
Esse angustiar-se é uma característica feminina, e que deveria participar da exaltação da ascensão feminina em campos dominados pela presença masculina. Característica essa que traz novas possibilidades a uma política que precisa ser humanista, não bonita. Essa é a verdadeira contribuição da presença das mulheres para a política.