O que se espera de um monge budista? O que se espera de um estudante universitário? O que se espera de um jornalista? O que se espera do Estado? E o que se espera do ser humano, independente das instituições e formações sociais?
A cerca de 2.600 anos, durante o Primeiro Concílio Budista, em Rajagaha, Índia, foram registradas as regras que um monge deve seguir em sua prática. São, até hoje, de acordo com o livro Vinaya Pitaka (Cesto de Disciplinas) da linhagem dos Theravadas (escola mais antiga e tradicional do Budismo), 227 regras para um monge (bhikkhu) e 311 para as monjas (bhikkunis). Elas foram postas para aprovação dos mais de 500 retirantes presentes no Concílio por um dos 10 mestres de disciplina do Buda Sakyamuni, Upali. Conhecido como o mais disciplinado dos monges, o ex-barbeiro, que recebeu a ordenação do próprio Buda e abandonou o sistema de castas indianas, mostrando como Sidarta Gautama, que um ser não é aquilo que a sociedade impõe que ele seja, mas sim um agregado de experiências que ele acumula e cultiva ao longo de sua existência.
Não que esse pensamento budista sobre o ser como um agregado de experiências acumuladas e cultivadas seja uma verdade absoluta - até mesmo porque a única coisa absoluta no budismo é a Impermanência - mas, quem há de negar que, das afirmações sobre a constituição do Ser, essa talvez deva ser a mais racional?
O que é um estudante universitário, senão o acumulo e cultivo de suas experiências? E quando falo de experiências que formam um universitário, o futuro agente social, não me limito à vida acadêmica quadrada, enclausurada e castradora. Mesmo na Idade Média, quando o modelo de Universidade que temos hoje foi fundamentado, os estudantes, em suas vivências acadêmicas, vislumbravam a importância da experiência com o outro, com o coletivo e com a vida, e de várias formas.
Hoje, o conceito de Universidade é, mais que nunca, de multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade e transdisciplinaridade. E sabem o motivo? Não somos seres isolados. Somos entes coletivos. Nossa formação acadêmica não deve ser pra formar apenas mão-de-obra especializada, profissionais capacitados... A Academia, assim como qualquer instituição educacional, é formar seres críticos, capazes de tomar decisões, de transformar sua sociedade e o mundo num lugar melhor, e isso inclui cuidar de si, cuidar do outro e cuidar do meio ambiente.
Pouca coisa me parte mais o coração do que ver um estudante de Filosofia estar de acordo com o Sistema de mecanização das relações, afirmando que não está estudando pela transformação. É esse o perfil de estudante que os poderosos querem: um robô, capaz de obedecer ordens do Sistema vigente, que não cuida dos seres e do mundo, mas que cuida de interesses privados e lucrativos. Isso não é novidade, sei.
E o que é essa relação com o outro?
São todas!
Amar, odiar, sorrir, chorar, lutar, calar, reivindicar, cuidar, ensinar, aprender, fazer festa, fazer guerra... Tudo a seu tempo, e de acordo com a necessidade e interesse coletivo. É ser Tom Zé: "Tô estudando pra saber ignorar / Eu tô aqui comendo para vomitar."
Tanto monges budistas quanto estudantes universitários sempre estiveram a frente das lutas sociais, defendendo os direitos da população e do meio ambiente. Defendendo a importância destes. Sem medo.
Os estudantes são a massa trabalhadora de amanhã. E os monges tem por regra disciplinar, agir em benefício de todos os seres.
E essas relações nos formam muito mais que a Universidade. A vida acadêmica é envolvimento não só com os livros e as cadeiras de um curso, mas com as múltiplas pessoas que transitam por aqueles espaços e fora deles. A vida acadêmica também é impermanente. E o que seria dos estudantes se não se relacionassem e dividissem experiências? E aqui eu vou fugir das experiências com os livros e expandir ainda mais a cabeça: celebrar a vida com os amigos, com pessoas com as quais dividimos medos, anseios, alegrias, lutas e esperanças. Além de dividir tarefas, muitas vezes.
Em geral, o corpo discente de uma universidade é formado por jovens, seres com o sangue pulsando por vida e sede transformadora. Como passar por essa experiência sem provar todas as suas dores e alegrias?
Os moradores da Casa do Estudante UFPel convivem diariamente com o descaso da administração da universidade e da sociedade com os inúmeros problemas acumulados e maquiados em quase 40 anos de CEU. Extintores de incêndio vencidos, fiação exposta, intensas faltas de água, princípios de incêndio, superlotação, rachaduras, infiltrações, goteira, rebocos caindo do teto, camas frágeis e, inclusive, o despreparo da administração para lidar com emergências - a começar pelo kit de primeiros socorros da CEU, que se resume a uma caixa de algodão.
Não bastassem esses problemas, os moradores ainda são proibidos de se reunirem em números maiores que 4 após às 23h00, são impedidos de visitas, estão em constante vigilância - como se já não bastassem câmeras e controle biométrico.
Colocam que a assistência estudantil é uma 'oportunidade', quando na verdade, é um direito de qualquer cidadão que comprove que não possui condições financeiras de se manter numa universidade. Mais que isso, a Casa do Estudante UFPel nunca foi um presente da instituição aos estudantes. A CEU é fruto de uma conquista! O prédio abandonado foi tomado pelos estudantes na década de 70. "Não é uma dádiva. É uma conquista!"
Nem as regras do Vinaya budista são tão severas. Nem a vida num mosteiro, tão insalubre. E isso levando em questão o voto de pobreza e mendicância!
A sociedade, o Estado, a imprensa, e a administração da universidade esperam que os estudantes que vivem em uma CEU façam voto de pobreza, não interajam, se tornem pedintes... Falam de nós, residentes, como se fossemos presidiários, seres privados do convívio em sociedade, criminosos que, por não terem condições financeiras de se manterem numa no ensino superior, devem ser privados de qualquer direito, que não seja estudar.
E longe de receber mensalmente, como os presidiários, o auxílio reclusão, que custa R$ 915,05. Mais que o salário mínimo de um trabalhador. Mais que um auxílio moradia de um estudante. Mais que uma bolsa de pesquisa e extensão.
Desculpem-me, mas eu realmente não entendo isso. Muito menos quando a polícia aponta armas para estudantes, trabalhadores e monges que estão lutando por condições melhores de vida, inclusive para este policiais.
Daí, quando estudantes festejam o simples fato de estarem vivos, são tratados como criminosos. E como se, entre universitários, a festa, a alegria, o vinho, o riso e a descontração fossem alguma novidade ou afronta à sociedade.
Uma reportagem exibida a poucos dias numa emissora de TV exibe toda uma falácia preconceituosa em todo da vida de estudantes. Vocês poderão ver abaixo:
Após receber inúmeros comentários questionando o profissionalismo da repórter Luize Baini, o vídeo que se encontrava na página da jornalista foi apagado. Mas, como carioca esperto é aquele que usa sunga no lugar da cueca, salvamos o vídeo e postamos novamente. Pois como a jornalista deveria saber e praticar: "A informação não deve ser manipulada e nem omitida."
Contudo, sabemos como a nossa sociedade realmente vê os estudantes e residentes da CEU. E neste segundo vídeo, vocês poderão ver como a mensagem tendenciosa da repórter, da emissora, da administração da CEU e do cristão que levanta falso testemunho, soa aos ouvidos dos pelotenses:
A CEU UFPel foi casa pra muitos estudantes 'farristas', 'maconheiro', 'bêbados' e 'macumbeiros' que, quando a sociedade brasileira clamou por liberdade, inclusive de expressão, foram pras ruas e enfrentaram polícia pra que inúmeras pessoas, inclusive a jornalista Luize Baine, pudessem exercer o direito de se expressar livremente e, mais que isso, garantir a ela uma profissão.
Graças aos 'baderneiros' que não têm medo de serem felizes e de enfrentar o sistema pra defender os interesses coletivos é que a bonita pode disseminar preconceitos, inclusive de crenças - a liberdade de crença é direito constitucional. E graças aos 'baderneiros' também, que o cristão pode levantar falso testemunho sem ser crucificado em praça pública.
Luize Baini, César Borges, Jeferson Miranda, Stephanie e Carmem. Eu defenderei sempre o direito de vocês falarem o que quiserem. Tenho certeza que não só eu, mas estudantes, monges e qualquer um que acredite na liberdade como direito. Mas jamais aceitaremos que vocês nos neguem o nosso direito de liberdade, nosso direito de fala e defesa de acusações - que também é constitucional. Quando precisarem de nós pra defender o direito de vocês falarem a merda que quiserem, estaremos lá pra garantir esse direito, mas nos deem o direito de fala também.
Sabe uma semelhança crucial entre monges budistas e estudantes universitários?? Seguimos a risca o "verás que um filho teu não foge à luta".
Sabemos da impermanência. Nós passaremos e outros virão. E queremos que eles sejam tão felizes ou mais em sua estadia na CEU UFPel e na vida. Seja bebendo vinho, como Jesus Cristo e seus Apóstolos. Seja bebendo leite como Buda e seus Arahats.
5 comentários:
"Há cerca de 2600 anos..."
Obrigada, Anônimo!
Enquanto deverias agradecer por teres esta ajuda, fazes guerra contra o sistema. Se não estás satisfeita com o sistema, não suga ele pra teu benefício. Tens que abrir mão das tuas bolsas. Em um ambiente coletivo, onde existem opiniões divergentes e é necessário que todos acordem para que possam conviver, são necessárias regras. Regras de conduta e de convivência. Regras as quais tu e teus amigos não conseguem respeitar, e que, por isso, deveriam ter os benefícios cortados. Sinto vergonha pela distorção dos fatos que fazes. A reporter fez uma matéria, baseada na realidade. Tu distorces o fato. Não quer regras, aluga um apartamento. Não tem dinheiro? Trabalha no turno que te sobra. Muitos fazem isso, eu mesmo fiz isso. Tens que protestar por mais professores, por valorização dos teus professores, não pelo direito de fazer o que te der vontade em um ambiente em que todos devem se respeitar.
Obrigada pelos conselhos, Padre Marcelo.
Eu sempre defendi os estudantes que moram lá, inclusive já tive um amigo que morou na casa por muito tempo e assim como vocês, ele não concordava com algumas coisas. Mas acho que se existem regras, elas devem ser respeitadas e se vocês aceitaram viver lá, mesmo com essas regras, elas devem ser cumpridas.
Acredito que a jornalista em questão apenas exerceu o trabalho dela. Recebeu uma denúncia, recebeu imagens que comprovam a denúncia e foi exercer a profissão dela. Ouviu o lado de quem mora na casa e ouviu os responsáveis pela casa.
Acho que, se os estudantes estivessem bebendo em seus quartos, porém não prejudicando os colegas de outro quarto, isso não teria problema. Mas fazer barulho, fazer rituais com nome de outras pessoas, não tem justificativa que chegue a tempo... Concordo que vocês devem reivindicar por melhorias na casa e no tratamento com os estudantes, mas acredito que acima de tudo deve haver respeito e o que vem acontecendo na casa é muito grave e desrespeitoso.
Miguel - estudante UFPel
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