terça-feira, 15 de junho de 2010

Amor é coisa de Amantes!

“Não te darei bichinhos não te darei,
Pois eles querem, eles comem
Não te darei papeis não te darei,
Esses rasgam, esses borram
Não te darei discos não,
Eles repetem,eles arranham
Não te darei casacos não te darei,
Nem essas coisas que te resgardam e que se vão
Dar-te-ei a mim mesmo agora
E serei mais que alguém que vai correndo pro fim
Esse morre...envelhece...
Acaba e chora...ama e quer...
Desespera esse vai...
Mas esse volta.”
DAR-TE-EI
(M. Jeneci/H. Lopes/V. Pessoa/J.M. Wisnik)


Eu sempre concordei que datas como dia das mães, namorados, crianças e natal, não passam de chaves para movimentar o comércio. Fato. Mas algumas coisas ficam bem evidentes quando observadas com certo distanciamento. Tive essa experiência contemplativa neste último fim de semana, quando se passou o dia dos namorados.

Como toda boa carioca, haviam duas datas em que eu fazia questão de estar solteira. A saber, Carnaval e o famigerado Dia dos Namorados. Mesmo nos relacionamentos mais longos, sempre havia uma separação nestas épocas e uma retomada poucos dias depois. O famoso “tempo”.

Os motivos? Clichês: aproveitar o carnaval e não gastar com presentes.

Ok, eu nunca tive um Dia dos Namorados em meus 26 anos. Também, nesse tempo eu nunca quis estar com alguém. Mesmo quando eu estava com aquela amada guria carioca, eu não pensava nessa data e nem me movia por ela.

Mas este ano aconteceu. Toda essa vontade de estar com uma determinada pessoa e só com ela, finalmente veio. E junto com ela, toda aquela coisa de planejar dias antes e várias possibilidades pra que ela pudesse escolher o que lhe fosse conveniente. E ela nem era minha namorada... Mas a vontade de estar junto, uma da outra, era maior que qualquer título amoroso. Era o próprio amor – por que não? – desrotulado de tudo: “Amor que não se pede, que não se mede e que não se repete” (Cidade Negra).

Por mais que a gente quisesse estar juntas, e até mesmo gritar aos quatro ventos essa vontade, nada foi possível. E vendo a minha frustração desarrumando o quarto decorado para um dia com minha Preta, e vendo os comentários das pessoas solteiras, que iam desde “antes solteira no dia dos namorados do que comprometida no carnaval” até coisas do tipo “12 de junho é dia da independência russa”, fiquei pensando que, uma data que é banal – sim, por falta de uma reflexão profunda – tinha, então, um significado maior para os amantes. Sempre gostei mais dos termos amantes que de namorados. Deve ter o dia dos amantes. (Perguntei ao Google: 22 de setembro! Perfeito!)

Os amantes nunca terão um Dia dos Namorados. Talvez nem um Dia dos Amantes. Talvez nenhum dia e ainda assim continuarão amantes, por um amor transcender calendário e comércio. Este último nunca tentará vender flores, jóias, chocolates, bichos de pelúcia, jantares em restaurantes ou viagens românticas por dois motivos óbvios. Primeiro porque nossa sociedade foi erguida sobre valores que assassinaram Eros e o corpo. Segundo porque os amantes não querem presentes, mas presença, doação.

Pensei num desdém com estes amantes, pessoas que apenas amam.

Como os Malvados dizem: “O egoísmo impera”. Quem tem alguém para um simples programinha ou mesmo um beijo corrido ao longo do dia é tão egoísta quanto aquele que está sozinho e busca um outro foco para a data dos tais namorados. Por certo nunca pensaram nas pessoas que não podem estar juntas naquela data, apesar das vontades, apesar do amor. Das pessoas que estão em trânsito nesta data às pessoas que vivem um amor secreto e guardado com delicadeza nos pequenos gestos de carinho. O 12 de junho é muito banal pra quem está dentro de um “padrão social e moral”, mas é tão importante pra quem tem um amor maior que essas convenções...

Os “imorais” da história são outros. São os “banais”, que não se importam com aquele rapaz que só pode viver seu amor na calada da noite; com aquela dona que mora do outro lado da cidade e que tem um amor que não pode transparecer nesta data para não chocar; no casal que vive junto há muitos anos, se fazendo de encalhados, pois dão preferência à convivência com a falta de amor do que se chocarem com amores que estão além do físico..

Sim, o amor choca.

Mas nos perguntemos se os chocados sabem, de véras, o que é o amor? O amor para eles também não é condicionado? Em algum lugar li a frase de um militar que dizia: “Ganhei uma medalha por matar dois homens e fui condenado por amar um.”

Toda forma de amor, consentida pelos amantes é válida sim. Ou ainda há quem prefira a guerra?

E para ser amante, não é necessário sexo. Amante é só e unicamente aquele que ama. Que ame os gatos, que ame os cães, as árvores, as canções, as pessoas... Pois um amante de verdade não vê dualidades nem ama a carcaça. O amante ama aquilo que nem ele enxerga. Ama a existência do objeto de seu amor, apenas. Um amor honesto e forte por não ser construído pelos outros, mas por ter nascido dos encontros com os outros. Sobre esse encontro, Gutraut de Borneilh (Circa 1138-1200?) escreveu:

“Assim, pelos olhos, o amor atinge o coração:
Pois os olhos são os espiões do coração.
E vão investigando
O que agradaria a este possuir.
E quando entram em pleno acordo
E, firmes, os três em um só se harmonizam,
Nesse instante nasce o amor perfeito, nasce
Daquilo que os olhos tornaram bem vindo ao coração.
O amor não pode nascer nem ter início senão
Por esse movimento originado do pendor natural.
Pela graça e o comando
Dos três, e do prazer deles,
Nasce o amor, cuja clara esperança
Segue dando conforto aos seus amigos.
Pois, como sabem todos os amantes
Verdadeiros, o amor é bondade perfeita,
Oriunda – ninguém duvida – do coração e dos olhos.
Os olhos o fazem florescer;
o coração o amadurece:
Amor, fruto da semente pelos três plantada.”

Os amantes não podem se encontrar no dia 12. Mas certamente estarão juntos no dia 14 ou 15 ou outro dia. Mesmo que as horas sejam poucas, poucos minutos e por vezes corridos. E sempre vai valer à pena a paciência, a espera, a solidão destas horas em que a amada não pode estar... O cheiro e o gosto deste amor que não desespera, mas engrandece cada segundo, torna tudo mais especial: a lembrança do corpo nu que repousa de bruços sobre a cama, os sinais no corpo que são visíveis até na escuridão, as curvas que as mãos não param de percorrer, os cheiros espalhados e misturados, os músculos tensos de algum prazer, o sorriso doce e os olhos serenizados entre tantos beijos.

“Vê como a gente se espelha e se espalha
Um transparece no outro o que pensa e o que fala.
Quando o momento maior poliniza tudo ao redor
E faz o amanhã nascer melhor.
Vê como a gente se estende e se espraia
Teu corpo se veste do meu que não tomba da raia.
Quem for parar pra me ver lá no fundo verá você
A brilhar em mim...”
PODER
(J. Vercílo)

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